terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Como ser analfabeto em várias línguas

Ser professor de inglês e português não é fácil.

Já sofri, sofro e sofrerei com os erros, algumas vezes crimes, cometidos contra a nossa mãe vernacular, e contra as mães de outrem também, haja vista a infindável onda de ignorância que avassala as pobres gramáticas pelo mundo.

Parece que quanto mais a internet propaga o conhecimento e a informação, mais a ignorância aumenta!

Hoje em dia, é facílimo ser analfabeto em várias línguas.

O indivíduo pode se tornar bi, di, pluri, multi ou polianalfabeto: basta pegar palavras de uma língua e usar em outras, fazendo questão de pronunciá-las de maneira equivocada, digitá-las de forma também errônea, e em contextos inapropriados (com sentido diferente ou quando já existam termos locais com o mesmo significado).

Falando nisso, a nova onda agora é utilizar a palavra "endorsa", ou o verbo "endorsar", como se fossem termos do português.

Alô, além, o termo endossar já existe em nossa língua, vem do francês, e tem os seguintes significados, como mostra o Aulete Digital (grifos meus):
(en.dos.sar)

v.

1. Colocar endosso, cessão de recebimento, em verso de cheque, letra de câmbio etc., para que outrem receba o valor correspondente [td. : endossar uma duplicata.]

2. Transferir a outrem (encargo, responsabilidade etc.) [tdi. + a, para : Endossei-lhe a tarefa desagradável.]

3. Fig. Apoiar uma ideia, decisão, proposta [td. : Todos os presentes endossaram o parecer do relator.]

Aí, as criaturas pegam as palavras endorse, to endorse, ou endorsement, do inglês, que significam a mesmíssima coisa e vem também do francês (confira no Free Dictionary), e passam a utilizar estes termos em desfavor dos já existentes, mostrando assim que há razões reais para que os programas de erradicação do analfabetismo não funcionem nestes tristes trópicos!

E eu aqui, pobre iludido, achando que a culpa era da ineficiência do governo.

Não, não é, pelo menos não totalmente, pois há pessoas que, indiscutivelmente,  não se deixam alfabetizar. :( :(

Imitando o poeta francês Stephane Mallarmé, em seu poema dedicado a Edgar Allan Poe, buscando um sentido mais puro às palavras da tribo, pretendo também ser um "eterno dique / aos voos da Blafêmia esparsos no futuro".

Blasfêmias contra a língua mãe, diga-se de passagem.

Caso alguém não saiba: blasfêmia significa ultraje, ofensa, insulto a religiões, pessoas ou objetos.

***

Complementando: é facílimo para um falante de português ser analfabeto em espanhol, pois é só usar a técnica mais comum nestas paragens --> falar português de forma incorreta, fingindo que está falando espanhol, e se fazer de desentendido quando o nativo do espanhol não entender bulhufas!